03 de Maio de 2024 - 16h:19

Tamanho do texto A - A+

Volume de empresas em recuperação judicial dá novo salto no primeiro trimestre de 2024

Alta é de 3,9% em relação aos últimos três meses de 2023, segundo dados do Monitor RGF

Por: Valor Econômico

A quantidade de empresas em recuperação judicial no Brasil continua a subir. No fechamento do primeiro trimestre, um total de 4.203 companhias estava sob a tutela da Justiça para renegociar dívidas com credores. A alta é de 3,9% em relação ao último trimestre de 2023, segundo dados do Monitor RGF de Recuperação Judicial, feito pela consultoria RGF & Associados, e compartilhados com exclusividade para o Valor.

 

O Monitor mostra que 1,87 a cada mil corporações de pequeno, médio e de grande porte passava por reestruturação, de um universo de 2,3 milhões. Essa proporção é a maior desde que a RGF começou a compilar os números, no segundo trimestre de 2023. O índice é pior na região Centro-Oeste, onde três a cada mil empresas enfrentavam o processo judicial. Ainda pior no Estado de Goiás, em que o número chega próximo a cinco.

 

A localização não é coincidência. Dentre os cinco segmentos com maior dificuldade financeira, três se referem a atividades relacionadas ao setor do agronegócio, tradicionalmente forte na região, como o cultivo de cana-de-açúcar, que lidera com 29 empresas em recuperação a cada mil. Em seguida, os maiores índices são a fabricação de laticínios (15,88), construção de rodovias e ferrovias (15,05), transporte coletivo municipal (15,03) e cultivo de soja (11,83).

 

Nesse período de janeiro a março, alguns dos principais casos de empresas que entraram no processo envolvem a rede de supermercados Dia, em São Paulo, com dívida de R$ 1,1 bilhão; a OSX, uma das companhias do empresário Eike Batista, no Rio de Janeiro, com passivo R$ 7,94 bilhões; e o Grupo Libra Bioenergia, produtor de etanol no Mato Grosso, devendo R$ 534,7 milhões. Dentre as que saíram, está a Schumann Móveis e Eletrodomésticos, rede de Santa Catarina.

 

Segundo o especialista em reestruturação e recuperação judicial Rodrigo Gallegos, sócio da RGF, os números ainda são reflexo da pandemia da covid-19. “Com a alta da taxa de juros, as empresas começaram a perder caixa e a segurança financeira acabou em 2023”, afirma. Ainda houve o efeito Americanas, acrescenta, que entrou em recuperação no início do ano passado e fez “todas as instituições financeiras segurarem o crédito”.

 

Esse impacto da pandemia ainda deve ser visto nos próximos meses, mas deve melhorar no fim do ano e começo de 2025, de acordo com Gallegos. “Se tudo se mantiver do jeito que está hoje, com a economia melhorando, o governo fazendo esforços e o Banco Central reduzindo a taxa de juros aos poucos, são excelentes acenos para o custo da dívida começar a cair.”

 

Apesar dos números, os especialistas da RGF dizem que há uma desaceleração do ritmo de empresas nesta situação, o que indica que o crescimento não é exponencial. “Do terceiro para o quarto trimestre, tivemos um crescimento muito grande, tanto absoluto, quando no índice. Continua crescendo, mas em um ritmo menor que no ano passado”, afirma a consultora especialista em reestruturação Roberta Gonzaga, da RGF.

 

O número absoluto de empresas que entrou em recuperação judicial foi 17% menor no último trimestre ante o período anterior - 296 em 2024 contra 357 no quarto trimestre de 2023. Porém, como menos empresas saíram da recuperação no início do ano, o número total de companhias nessa situação continua a crescer. Enquanto no fim do ano passado foram 196 saídas da supervisão da Justiça, no começo deste ano foram 138. Pela Lei de Recuperações Judiciais e Falências (Lei nº 11.101/2005), a tutela judicial dura dois anos a partir da data de concessão do procedimento, prazo prorrogável pelo juiz.

 

Mas Roberta indica como positivo o crescimento de três pontos percentuais na categoria de companhias que, ao saírem do processo judicial, voltaram para a operação normal. Subiu de 60% para 63% e tem se mantido acima da metade. No terceiro trimestre de 2023, estava em 55%

 

A maior participação dos credores tem sofisticado o instrumento” — Cinthia Lamare
Segundo a advogada Cinthia de Lamare, sócia da área de reestruturação e insolvência do escritório Cescon Barrieu, outro motivo para as recuperações judiciais continuarem em alta, que considera “discreta”, é o fato de que elas não são mais vistas unicamente como um espaço para renegociar dívidas de devedor, mas também como um ambiente de negócios.

 

“Dentro das recuperações judiciais, temos desde financiamento com o DIP a taxas mais atrativas para o investidor, venda de ativos a operações societárias no mercado de capitais. Isso tudo sinaliza para o mercado que o processo pode ser uma solução interessante para empresas viáveis”, diz. “Houve uma mudança de paradigma”, adiciona.

 

Cinthia Lamare também sinaliza que a maior participação dos credores tem sofisticado o instrumento, aprimorado com a reforma da Lei nº 14.112, em 2020, o que tem feito que empresários fiquem mais seguros para buscar a recuperação judicial. “Hoje se tem regras mais claras e o próprio plano de recuperação judicial é feito a muitas mãos, o que torna a recuperação mais exitosa.”

 

O Monitor RGF Recuperação Judicial utiliza dados da Receita Federal e considera apenas recuperações judiciais já homologadas, não os pedidos. Os microempreendedores e empresas governamentais são excluídos da base, assim como as filiais, para se considerar apenas a matriz.

 

No primeiro trimestre, de acordo com dados coletados da Serasa Experian, foram apresentados 501 pedidos de recuperação judicial e 427 foram deferidos. A diferença de dados se deve à disparidade entre as metodologias das pesquisas. Enquanto o RGF faz o levantamento pelos dados da Receita, a Serasa, que faz o acompanhamento desde 2005, quando iniciou a série histórica, coleta as informações junto aos fóruns, varas de falências e diários oficiais e da justiça dos Estados.

 

Imagem: Freepik

VOLTAR IMPRIMIR